terça-feira, 28 de outubro de 2008

seus meus nossos cheiros.

I.

Hoje, em homenagem a ti, saí do meu quarto escuro e cheio de lembranças. E cheio de lembranças fui para a loja de perfumes mais próxima, reavivá-las. Procurava por teu cheiro engarrafado em álcool, fixador e alguma mistura sublime de fragrâncias. Sabes muito bem que sempre fui muito ligado ao sensorial e meu olfato emenda as mais lindas ou obscuras sinapses de lembranças. Aquelas que esquecemos inconscientemente pelo simples fato da emoção ser tão grande que pode chegar a causar traumas.
Você foi um trauma.
Assim que encontrei o que queria, me vi criando um hábito. Já havia estado naquele mesmo local, em frente à mesma estante, olhando com uma mescla de sentimentos para o frasco meio vazio de pedaços de você.
Sempre hesitante borrifo um pouco no peito da mão esquerda e milhões de pequenos fragmentos momentos beijos gozos brigas silêncios e limões se espalham pela atmosfera impessoal da loja e impregnam-se na minha pele. Aí, sacudo levemente a mão, suspendendo você pelo ar, suspendendo o momento de te inalar e por alguns instantes (longos instantes) ser nocauteado por turbilhões de sentimentos subjetivos, celestiais, aquelas sensações que roubam o seu estômago e não deixam vestígios de palavras na altura da boca. Faltam-me palavras na boca.
De cinco em cinco minutos visito o seu corpo, percorro a vastidão do seu peito e chego ao pé dos vales sensíveis do seu pescoço, onde riachos deste cheiro transbordam, devastando-me e deixando marcas permanentes de você.
É engraçado o único resquício de intimidade com você ser este cheiro que chega ao fim. Não acredito que já te conheci tão bem a ponto de acreditar.

II.

Com o tempo perdia o meu cheiro próprio, confesso. Por mais que eu abusasse, e você sabe que tenho esse costume, era o seu cheiro que se sobrepunha ao meu perfume, nos pulsos e nos casacos e nos travesseiros. Ele me atingia em borrifadas quentes cada vez mais fortes, atordoando o meu eu a ponto de causar náuseas.
As visitas à perfumaria local vieram com mais freqüência e os vendedores já me olhavam torto, como se eu fosse algum leproso obsessivo. Imagine você, uma atendente, julgo que a mais ousada, chegou a vir me perguntar se eu um dia não iria resolver levar o perfume, afinal, tantas vezes já o tinha experimentado na minha pele, nota esta que achei louvável, já que nas minhas primeiras visitas eu apenas saia abanando um provador de papel. Ainda possuo essas tirinhas mágicas (quis dizer sádicas) de você.
Acho que foi mais ou menos nessa época que começaram a perceber que eu cheirava a outro. Um outro que não eu e olhavam com olhos ora curiosos, ora acusadores. Mas eu não dava a mínima, carregava você comigo e isso é o que importava.
Aí passei a vestir roupas parecidas com as suas, só de farra, para acentuar a discrepância comigo.
Aliás, lembra-se como falavam que éramos tão diferentes? Na idade, nas idéias, no caráter, nas roupas, no cheiro. Você sempre carregava esse cheiro desalinhado, bruto, selvagem. Uma mistura perfeita entre os citrismos e tons de suor.
Uma afronta!
Já eu era todo maneiras, sem cinismos, meu cheiro era comportado e não adentrava as narinas dos desavisados.

III.
Quando vi tinha mudado meu jeito de andar, de falar, de sentir, de comer, de rir, de olhar.
Era engraçado, mas eu estava cada dia mais fascinado com as minhas mudanças.
Um dia acordei envolto pelas densas ondas desse seu cheiro como nunca tinha estado antes. Deliciei-me e esperei o gozo. Não veio. Exasperei. Não era mais reativo. Cheguei a pensar que, talvez, quem sabe, havia finalmente passado e você com seu cheiro haviam ficado para trás. Engano. A idéia me deu um soco no estômago e me contraí.
Ainda lacrimejando de dor e em uma atitude desesperada fui atrás dos pedacinhos de papel - você. Encontrei. Indiferença. Então por que a idéia de te perder me atormentava tanto?
Fui ao banheiro, precisava de água fresca no rosto.
E então, você poderá imaginar o que eu senti quando levantei os olhos ao espelho, pois, vejam só, foi o seu rosto que vi ali refletido.

domingo, 5 de outubro de 2008

I.

Hoje, em homenagem a ti, saí do meu quarto escuro e cheio de lembranças. E cheio de lembranças fui para a loja de perfumes mais próxima, reavivá-las. Procurava por teu cheiro engarrafado em álcool, fixador e alguma mistura sublime de fragrâncias. Sabes muito bem que sempre fui muito ligado ao sensorial e meu olfato emenda as mais lindas ou obscuras sinápses de lembranças. Aquelas que esquecemos inconscientemente pelo simples fato da emoção ser tão grande que pode chegar a causar traumas.
Você foi um trauma.
Assim que encontrei o que queria, me vi criando um hábito. Já havia estado naquele mesmo local, em frente a mesma estante, olhando com uma mescla de sentimentos para o frasco meio vazio de pedaços de você.
Sempre hesitante borrifo um pouco no peito da mão esquerda e milhões de pequenos fragmentos momentos beijos gozos brigas silêncios e limões se espalham pela atmosfera impessoal da loja e impregnam-se na minha pele. Aí, sacudo levemente a mão, suspendendo você pelo ar, suspendendo o momento de te inalar e por alguns instantes (longos instantes) ser nocauteado por turbilhões de sentimentos subjetivos, celestiais, aquelas sensações que roubam o seu estômago e nao deixam vestígios de palavras na altura da boca. Me faltam palavras na boca.
De cinco em cinco minutos visito o seu corpo, percorro a vastidão do seu peito e chego ao pé dos vales sensíveis do seu pescoço, onde riachos deste cheiro transbordam, devastando-me e deixando marcas permanentes de você.
É engraçado o único resquício de intimidade com você ser este cheiro que chega ao fim. Não acredito que já te conheci tão bem a ponto de acreditar.