sábado, 21 de junho de 2008

o quarto e o corredor.

Quando abriu os olhos, percebeu que corria. Dono dos seus pés que era, espantou-se ao ver pelo seus olhos as imagens voando, borrando, sobrepondo-se. Achou que havia acordado em um sonho estranho, algum desses em que o subconsciente resolve exprimir o máximo de sua criatividade & angústia.
Mas o peito ofegava, arfante, o vento cruzava o seu rosto, esfriando seu nariz, suas orelhas.
Por um instante, e apenas um instante, perguntou-se se não deveria tentar parar, impedir o avanço destas pernas tão rebeldes.
Mas o instante passou com essa mesma idéia de rebeldia o assustando. Teve medo de interfirir.
Pegou-se tentando encarar aquilo com prazer, com naturalidade, como passeio que fosse. Mas já concluíra que seu corpo estava mesmo em revolta, ele que tentava poupar ao máximo os movimentos, seus músculos pequenos, mas ainda assim fortes o suficiente para contestar essa falta de mobilidade. Começaram as dores e ardências, penalizando a infração que era correr tanto.
Sentiu-se irreconhecível. O que será que havia acontecido com o seu eu?
Os edifícios passavam ligeiros, efêmeros.
Será que teria ficado para trás, como alma que se desprende do corpo, por este ter ido muito à frente?
Já estava tão longe...
Será que havia esquecido de acordar?
Sabemos que agora ele já nem sabia como era estar inerte, a paralisia ficou para trás (quem sabe com a sua alma paralítica). Mentira, via que essa movimentação era mais uma forma de paralisia.
Enfim esqueceu-se, habituou-se.
Enfim corria.

E correu.